domingo, 5 de janeiro de 2014

Sobre olhos e olhares ...




No fundo do olhar a tristeza...
os olhos dizem: sofro por saber a dor que já enfrentaste e a que ainda enfrentarás.

No fundo do olhar a alegria compartilhada...
os olhos dizem: alegro-me por saber aonde chegarás e antecipo seu contentamento pela ilusão desfeita e alegria que alcançarás.

No fundo do olhar o desprezo...
os olhos dizem: eu tenho que me defender de você pois na sua estupidez você é capaz de ferir a si e aos outros pois chamas de sabedoria o que é ignorância, non sense.

No fundo do olhar a serena igualdade...
os olhos dizem: eis-nos aqui, finalmente nos reencontramos; somos iguais.

No fundo do olhar a insanidade...
olhos que não falam só prescrutam, indicam o desconhecido, o insano.


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O primeiro insondável, profundo. 
Aponta para o passado. 
Para tudo o que já se passou para estar neste aqui, neste agora. 
E tranca a passagem. 
Tranca a passagem para que o futuro não faça com o presente o que o passado fez com o futuro. 
Uma porta. 
Uma barreira e ponto. 
Olhos que conhecem o que tudo custa para o homem.

Quando da primeira vez naqueles insondáveis olhos os meus pousaram, apaixonei-me. Amei desesperadamente todo aquele saber. Um saber feito pelo sofrimento do viver real humano. Um saber não da mente, do intelecto. Um saber feito de corpo, suor, lágrimas, sangue e risadas. Um saber gente. Mas a tristeza me contagiou. Impregnou-se nos meus saberes e aquele gostinho de apocalipse que eu já possuía, se acentuou. 
É com tristeza que procuro rever em algum rosto aquele olhar e não mais encontro.


O segundo cristalino, puro convite de lucidez e êxtase. 
Aponta para o tombo. 
A queda próxima e iminente das ilusões e crenças. 
Mostra um depois. 
Depois do tombo. 
Uma nova vida, uma nova era. 
Olhos que conhecem o que realmente vale a pena.

Quando da primeira vez naqueles olhos cristalinos os meus pousaram, apaixone-me. Pensei ter chegado ao Nirvana. Ocorreu-me que a iluminação deveria ser isso: olhos límpidos, cristalinos, capazes de nos fazer vislumbrar um agora e um depois sensacional, maravilhoso. Mas a ironia me machucou. Feriu-me profundamente. Também esses já não encontro mais.


Um dia meus olhos pousaram em outros olhos. 
Hoje reconheço que isso já havia acontecido no passado mas não me dei conta, senti medo. Medo gelado.
Olhos inescrutáveis, olhos-pedra.
Toda a minha hierarquia ocular mudou. 
Quis desesperadamente um contato, mesmo que fosse só visual 
mas esse olhar nunca se demora muito sob um mesmo alvo...
A cada vez eu o perco. É fugidio.
Falam de meiguice, de tolerância, de crueldade, de austeridade.
Para mim eles falam de algo novo, precioso demais para se expor.

E de saudade em saudade, de admiração em admiração
muito tenho encontrado em olhos, conhecidos e desconhecidos
às vezes esperança, às vezes confidências
às vezes medo, desespero. Mas sempre alegria.
Esperançosa alegria
mesmo num piscar de olhos.



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