Transtorno de Humor Bipolar, Psicose Maníaco-Depressiva, Humor Esquizofrênico.
Há quatorze anos convivo com esse diagnóstico. Hoje eu o aceito assim como aceito a medicação. Só não aceito o diagnóstico de que a realidade que percebo não é real, é psicótica, alucinada.
Hoje acredito que é exatamente por isso que a doença se instala - por buscar uma definição estática para percepções difusas, desconhecidas.
A mente é incapaz de lidar com o que ela não define. O transtorno mental bipolar é a tentativa inútil da mente humana de continuar separando as coisas em opostos e essa compulsão para a dualidade se instala no humor. Perceber o que é bom leva à euforia. Perceber o que é ruim leva à depressão.
Quando tudo começou eu tinha um verdadeiro desespero para definir e classificar tudo ao meu redor: pessoas, situações, visões, vozes. Era um caos verdadeiro pois havia de tudo e me parecia que eu realmente entendia o que acontecia. Mas à agitação mental se seguiu a agitação emocional e à essa se seguiu a agitação física.
Hoje procuro lidar com coisas que desconheço com a mais extrema paciência. Deixo-as ficarem um pouco dentro de mim, remoendo-as e logo percebo que quando a urgência se instala é por que alguma coisa não está certa.
Também me sinto um peixe fora do aquário, às vezes. Mas acredito que essa necessidade premente de falar e ter pessoas para ouvir é tanto uma necessidade da doença em si como do ego. E escutar é sabidamente o melhor remédio. Escutar atentamente a mensagem ou conversa boba de outras pessoas. Aceitar que a verdade nos vem em pequenas doses, homeopáticas.
Criei dois gatilhos para a saúde: o Time (composto pelas pessoas a quem eu não posso, em hipótese alguma, causar mal ou me separar) e a Missão (uma meta, um foco, para cada dia ou atividade que me disponho a fazer ou que me é solicitada). Esses dois gatilhos fazem com que eu me mantenha no prumo.
Os amigos e os familiares sofrem conosco. Não podemos impingir a eles os nossos excessos, sombras e desconexões com a realidade.
Ouvi de um amigo recentemente que tudo isso se deveu a um blefe. Sim um blefe, como no pôquer. Você concordou em dar o salto mas na hora H não deu. Chegou na beira do abismo mas não se jogou. Blefou. Achei muito interessante e deveras verdadeiro. Mas não foi assim que percebi o que ocorreu.
As percepções chegaram primeiro. Muitas. De todos os lados. Havia um fio que prendia umas às outras. Mas esse fio foi se perdendo ou melhor, foi sendo incinerado na fogueira das vaidades. E o abismo foi ficando próximo, cada vez mais próximo. Não sei dizer se em algum nanosegundo consegui abandonar a mente, o mental. Sei que no abismo ou olhando para dentro dele fui alçada. Isso mesmo, alçada.
Não há como descrever. Buscando a realidade de tudo encontrei a realidade de tudo. Uma realidade não oficial mas que é o fio que nos une uns aos outros. O resto foi confusão, conclusões difusas e rapidamente esquecidas, luz e sombras.
Os relatos dizem que o cérebro não aguenta esse estado. Eu discordo. Quem não aguenta é o ego. Queremos "luz na passarela". E é muito difícil lidar com esse aspecto de nós mesmos. E assim é para os que convivem conosco.
Transtorno Bipolar é o caminho que a mente percorre para deixar de ser dual. Não em um salto, como na iluminação, no nirvana. Como um caminho, seguindo ou preparando um mapa.
Transtorno de Atenção e Hiperatividade é o caminho que a mente atual está percorrendo para também deixar um mapa - de que é sim possível aprender, reter e usar um conhecimento adquirido de fontes diversas e em velocidade muito maior do que a normalmente aceita. Desde que respeitadas as condições de temperatura, saúde e higiene necessárias.
Esse início de século tem sido marcado por inúmeras doenças mentais, dentre outras coisas. Isso é bom. Faz-nos avaliar a saúde de nossa mente. A saúde de nossas verdades eternas e imorredouras. E nos prepara para, finalmente, sairmos da dualidade e pararmos de escolher pessoas e idéias como escolhemos feijão: esse é bom, esse está carunchado.